Sumario: |
No presente trabalho faz-se uma reflexão sobre as narrativas de vida indÃgenas a partir da hipótese de que, em contraposição ao modelo canônico ocidental, elas apresentam uma concepção de self marcada por uma posicionalidade social diversa tanto a nÃvel de experiência histórica quanto da visão epistemológica e ontológica. Meu objetivo é mostrar como os escritores indÃgenas se apropriam de um modelo ocidental que, na sua configuração canônica, servia para sustentar narrativas de individuação e o utilizam para curar feridas históricas resultantes da violência do processo colonizatório e suas conseqüências e, com isso, criar possibilidades de sobrevivência coletivas. Com esse propósito, faço uma breve revisão de dois momentos fundamentais do desenvolvimento do gênero no ocidente que, num primeiro momento, confundem a história da autobiografia com a confissão cristã e, num momento posterior, com o processo de individuação. Numa perspectiva mais contemporânea, discute-se a impossibilidade lingüÃstica de se falar do eu sem se deparar com uma série de descontinuidades e becos sem saÃda que parecem impor uma fragmentação total do eu, a ponto de se pensar ser impossÃvel dizer o dêitico «eu.» A esta visão canônica da história do gênero, contraponho as narrativas indÃgenas que se valem das histórias de vida como forma de buscar as experiências que lhes dão sustentação tanto como forma de reavaliação do vivido quanto como abertura para novas possibilidades no futuro. Num segundo momento, reviso a noção de tempo ocidental mostrando como, apesar da concomitância de várias cronosofias que definem o tempo como cÃclico, linear ou a-direcional, nossas sociedades se estruturam a partir do modelo de progresso, que fundamenta o binômio modernidade/colonialidade. Em outras palavras, a visão linear do tempo aliado ao processo histórico de subjugação dos povos e conquista de territórios, estabeleceu um modelo que se auto-define como inovador, ou de ponta, relegando todas as outras formas de organização humanas a estágios mais atrasados do mesmo processo. Baseando-me no paradigma de co-existência, discuto outras visões epistemológicas, contrapondo esta visão do tempo linear e progressivo à forma como os indÃgenas concebem o espaço como catalisador das histórias que sustentam as relações indÃgenas com o Outro. Importante ressaltar que a noção de Outro usada aqui abrange tudo aquilo que está em relação com o eu, incluindo, além dos seres humanos, animais, plantas, rios, a terra, o sol, e mesmo entidades não fÃsicas. Finalmente, analiso em Storyteller de Leslie Marmon como os escritos de vida indÃgena manifestam este modo de ser e seu potencial curativo. |
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